domingo, 20 de fevereiro de 2011

Neurocisticercose

Introdução

A cisticercose é a parasitose mais comum do sistema nervoso central e representa um grande problema de saúde pública na América Latina, China, Índia, África e sudeste da Ásia. A neurocisticercose ocorre quando a larva da tênia do porco (Taenia solium) infecta o sistema nervoso. As tênias são vermes intestinais conhecidos popularmente como solitárias. O homem pode ser infestado pelas tênias do porco e do boi (Taenia saginata), mas somente a tênia do porco causa a cisticercose. Normalmente o homem é o hospedeiro definitivo e o porco é o hospedeiro intermediário da Taenia solium. No caso da cisticercose o homem atua como hospedeiro intermediário.
No Brasil é uma causa muito comum de epilepsia, hidrocefalia e de outros distúrbios neurológicos. Ocorre com mais freqüência nas regiões rurais e está diretamente relacionada com as condições sanitárias das populações.
A cisticercose é adquirida pela ingestão dos ovos da tênia. Para melhor compreensão da doença é necessário conhecer o ciclo de vida da Taenia solium.

Ciclo de Vida da Taenia solium

O verme adulto

As tênias adultas são vermes achatados e alongados, que habitam o intestino delgado. O corpo é formado pela cabeça, chamada escólex, a qual possui quatro ventosas e uma dupla coroa de ganchos para aderência à parede do intestino. O escólex é seguido pelo estróbilo, que é formado por uma seqüência numerosa de segmentos conhecidos por proglótides. O estróbilo pode ter vários metros de comprimento. Proglótides imaturas são formadas junto ao escólex e o verme cresce a partir delas. As proglótides maduras localizam-se no meio do estróbilo, sendo que cada proglótide madura apresenta órgãos reprodutivos masculinos e femininos. As proglótides grávidas localizam-se na porção final do estróbilo e contém os numerosos ovos. Elas se desprendem do estróbilo e são eliminadas junto com as fezes atingindo o meio ambiente. Os ovos podem sobreviver por várias semanas no solo.

Ciclo de vida normal

O ciclo de vida normal da Taenia solium inicia-se quando o porco ingere fezes humanas contaminadas com os ovos da tênia adulta. O ovo da tênia é formado por uma membrana externa denominada embrióforo que contém o embrião, conhecido como oncosfera, em seu interior. No aparelho digestivo do porco, a membrana externa é dissolvida liberando a oncosfera. A oncosfera penetra pela parede do intestino e ganha a corrente sanguínea, se distribuindo pelos tecidos do corpo do porco. Alojada nos músculos e cérebro do porco, a oncosfera se desenvolve em larva, tornando-se um cisticerco. O cisticerco é uma vesícula semi-transparente com formato arredondado contendo líquido e um escólex. Ele pode ser visto incrustado na carne do porco, sendo conhecidos popularmente como "canjiquinhas". Ao ingerir carne de porco contendo os cisticercos, o homem completa o ciclo. Os cisticercos transformam-se em vermes adultos no intestino delgado do homem, onde os vermes voltam a produzir ovos. Neste ciclo o porco é o hospedeiro intermediário e o homem é o hospedeiro definitivo. Entende-se por hospedeiro definitivo aquele em que o parasita atinge a forma adulta. O ser humano é o único hospedeiro definitivo da Taenia solium.
O homem contudo pode entrar nesse ciclo fazendo o papel de hospedeiro intermediário. Se o homem ingere os ovos da tênia, irá desenvolver cisticercos em seus músculos e tecido nervoso, da mesma forma como acontece com o porco: os ovos se abrem no intestino do homem, os embriões atingem a corrente sanguínea e alojam-se nos tecidos, onde evoluem para a forma larvária, formandos os cisticercos. A formação do cisticerco leva cerca de dois meses. A forma larvária da tênia também é conhecida por Cysticercus cellulosae.
As más condições de higiene são a principal fonte de transmissão.

Meios de transmissão

O homem pode ingerir os ovos através dos seguintes meios de transmissão:
  • Ingestão de água e alimentos contaminados por ovos
  • Manipulação de alimentos por pessoas portadoras de tênias
  • Auto-infestação por via fecal-oral
  • Peristalse reversa

Ingestão de água e alimentos contaminados por ovos

Nos países subdesenvolvidos as condições sanitárias precárias e o desconhecimento de medidas higiênicas básicas por parte da população favorecem a contaminação do meio-ambiente. A falta de banheiros ou fossas sanitárias favorece a defecação sobre o solo, muitas vezes nas proximidades do domicílio, das áreas de cultivo e de coleta de água. Os ovos de tênia lançados com as fezes podem ser carreados pela chuva, vento e se espalharem no ambiente. Como os ovos da tênia podem permanecer viáveis por um longo período livres no meio externo, é fácil compreender como a água e os vegetais são contaminados. Os ovos são invisíveis a olho nu.

Manipulação de alimentos por pessoas portadoras de tênias

Pessoas parasitadas por tênias eliminam ovos em suas fezes. Uma higiene inadequada após a defecação, a falta de hábito de lavar as mãos, favorece a contaminação dos alimentos manipulados por essas pessoas. Desta forma uma pessoa pode contaminar diversas outras.Os ovos podem ser encontradas na pele das mãos ou sob as unhas.

Auto-infestação por via fecal-oral

Esta forma de contaminação também decorre da má higiene após a defecação. O indivíduo parasitado pela tênia adulta, leva suas mãos contaminadas com ovos à boca e adquire a forma larvária da doença. O indivíduo contamina a si mesmo e os cisticercos resultantes são provenientes do verme adulto que parasita seu próprio intestino. Essa forma de contaminação tem sido associada a infestações maciças do cérebro.

Peristalse reversa

Chama-se peristalse as contrações do tubo digestivo que impulsionam o bolo alimentar. A quarta forma de transmissão é a peristalse reversa das proglótides para o estômago.

Evolução

Após a transmissão o cisticerco passa pela seguinte evolução:
O embrião atinge o cérebro e após cerca de 2 meses transforma-se em cisticerco. O cisticerco é uma vesícula cheia de líquido contendo um escólex, medindo geralmente de 5 a 10 milímetros, sendo que alguns cistos podem atingir volumes consideráveis. Nessa fase vesicular ou cística não há uma grande reação do organismo à presença do cisticerco. O parasita está muito bem adaptado a essa forma de parasitismo e inclusive é capaz de inibir as reações imunológicas do hospedeiro. O cisticerco morre espontaneamente após um período variável de 2 a 5 anos (nunca desenvolve uma solitária adulta no cérebro, como algumas pessoas pensam). Ao morrer, o escólex entra em degeneração. Essa fase é chamada coloidal e há uma grande reação inflamatória e edema (inchação) no cérebro, pois com o rompimento da membrana da vesícula há o contato das substâncias do interior do cisticerco com o tecido do hospedeiro. O cisticerco morto passa por um processo gradual de calcificação, tornando-se um grânulo calcificado que representa uma cicatriz. Esse grânulo calcificado permanece presente para o resto da vida do hospedeiro, caracterizando a forma calcificada da neurocisticercose. Essa é a evolução do cisticerco localizado no parênquima cerebral.
Quando o cisticerco localiza-se no interior dos ventrículos cerebrais ou nas cisternas liquóricas, onde tem espaço para crescer, ele apresenta a forma de cachos multiloculados. Essa forma é conhecida como forma racemosa.
Durante essa evolução podem surgir diversas manifestações clínicas.

Sintomas

Os sintomas da neurocisticercose dependem do número de cisticercos presentes, da fase evolutiva, da localização e da reação imunológica do hospedeiro. Muitos pacientes são assintomáticos e o diagnóstico é feito casualmente.
De acordo com a localização do cisticerco há quatro tipos de manifestações clínicas:
  • Parenquimatosas
  • Subaracnóideas ou meningíticas
  • Intraventriculares
  • Medulares
Nas formas parenquimatosas os cisticercos estão no interior do tecido cerebral. Os sintomas podem variar com a região do cérebro acometida. Os sintomas podem ser convulsões, fraqueza muscular de um lado do corpo, perda de parte do campo visual, alterações de sensibilidade, alterações de linguagem, de memória, de raciocínio e de equilíbrio. A arterite (inflamação das artérias) que envolve vasos de grande, médio e pequeno calibre, favorece a ocorrência de um infarto cerebral. A neurocisticercose é uma das principais causas de epilepsia no Brasil.
Nas formas meníngeas ocorre uma meningite crônica (meningite cisticercótica) que se manifesta por cefaléia e sinais de irritação das meninges, como por exemplo a rigidez de nuca. A hidrocefalia (acúmulo do líquor com dilatação dos ventrículos cerebrais) do tipo  comunicante é outra complicação potencialmente grave.
Nas localizações intraventriculares os cisticercos obstruem o fluxo do líquor de forma contínua ou intermitente causando hidrocefalia obstrutiva.
A localização medular é rara. Os cisticercos podem ser achados no interior da medula ou no espaço subaracnóide. Já foi descrita a saída de fragmentos de cisticerco durante a punção lombar.
A intensa reação inflamatória decorrente da morte do cisticerco pode se manifestar com cefaléia, hipertensão intracraniana, déficits neurológicos focais, convulsões, alterações mentais agudas, constituindo um quadro de encefalite aguda.

Diagnóstico

Pacientes oriundos de áreas endêmicas com sintomas sugestivos devem ser investigados para neurocisticercose.
A radiografia de crânio pode mostrar cisticercos calcificados mas não mostra os cisticercos vivos. Ocasionalmente a radiografia de crânio realizada por ocasião de um traumatismo ou de seios da face na pesquisa de sinusite mostra um cisticerco calcificado. Não é o exame de escolha.
A tomografia computadorizada do crânio evidencia melhor as calcificações e é capaz de mostrar os cisticercos vivos e em degeneração, além da hidrocefalia. Os cisticercos vivos podem assemelhar-se a tumores císticos e pequenos abscessos.
A ressonância nuclear magnética pode mostrar os cisticercos vivos com mais nitidez, inclusive o escólex pode ser visto no interior das vesículas, sendo útil para diferenciar os cisticercos de outras lesões, quando a tomografia não é conclusiva. As vesículas intraventriculares também podem ser demonstradas por esse método.
O exame de líquor é essencial para o diagnóstico da meningite cisticercótica. O número de células pode estar aumentado, com predomínio de mononucleares e presença de eosinófilos. Quando os exames de imagem não permitem uma conclusão, exames imunológicos no líquor (ELISA, imunoblot) podem auxiliar o diagnóstico.

Critérios Diagnósticos

Critérios Absolutos

  1. Demonstração histológica do parasita em biópsia de nódulo subaracnóideo ou lesão cerebral.
  2. Visualização direta do parasita no exame fundoscópico.
  3. Evidência de lesões císticas com escólex na tomografia computadorizada de crânio (TCC) ou na ressonância nuclear magnética (RNM).

Critérios Maiores

  1. Evidência de lesões sugestivas de neurocisticercose nos exames de neuroimagem (TCC ou RNM evidenciando lesões císticas, lesões com reforço anelar, calcificações intracranianas, hidrocefalia, reforço anormal das leptomeninges. Mielografia mostrando falhas de enchimento na coluna de contraste).
  2. Positividade dos testes imunológicos para anticorpos anti-cisticercos (Imunoblotting no soro ou Elisa no líquor).
  3. Presença de calcificações fusiformes nas radiografias de músculos das coxas e das pernas.

Critérios Menores

  1. Presença de nódulos subcutâneos.
  2. Evidência de calcificações nas radiografias de crânio ou de partes moles.
  3. Presença de manifestações clínicas sugestivas de neurocisticercose (epilepsia, sinais neurológicos focais, síndrome de hipertensão intracraniana e demência).
  4. Desaparecimento das lesões após administração de drogas parasiticidas.

Critérios Epidemiológicos

  1. Indivíduos procedentes ou residentes em área endêmica de cisticercose.
  2. História de viagens freqüentes a áreas endêmicas em cisticercose.
  3. Evidência de contato domiciliar com infecção pela Taenia solium.

Graus de Certeza Diagnóstica da Cisticercose Humana

Diagnóstico Definitivo

  1. Presença de 1 critério absoluto.
  2. Presença de 2 critérios maiores.
  3. Presença de 1 critério maior e 2 menores, além de 1 critério epidemiológico.

Diagnóstico Provável

  1. Presença de 1 critério maior e de 2 menores.
  2. Presença de 1 critério maior e de 1 menor, além de 1 critério epidemiológico.
  3. Presença de 3 critérios menores e 1 critério epidemiológico.

Diagnóstico Possível

  1. Presença de 1 critério maior.
  2. Presença de 2 critérios menores.
  3. Presença de 1 critério menor e 1 epidemiológico.

Tratamento

O tratamento pode ser específico, para matar os cisticercos, ou sintomático.

Tratamento específico

Os cisticercos calcificados não precisam ser tratados, pois estão mortos. Os cisticercos vivos podem ser tratados com albendazol ou praziquantel. Quando o número de cisticercos é grande ou estão localizados em áreas críticas como o tronco encefálico, recomenda-se a hospitalização do paciente para o tratamento. O tratamento específico produz alívio sintomático, diminui a incidência de epilepsia, de vasculite e meningite crônica. Nem todos os pacientes com cisticercos vivos devem receber tratamento específico em virtude dos riscos da reação inflamatória que se segue à morte dos cisticercos. Em alguns casos tem-se preferido deixar o cisticerco morrer naturalmente. A administração de corticóides diminui muito os riscos do tratamento. Em casos de infecções maciças podem ser usados imunossupressores associados, como o metotrexato e a ciclofosfamida. Esse tratamento só deve ser feito com indicação médica.

Albendazol

O albendazol apresenta maior eficácia e maior tolerabilidade. O tratamento específico com essas substâncias causam a morte dos cisticercos nas localizações muscular, parenquimatosa, subaracnóidea, ventricular e sub-retinal. O albendazol é usado na dose de 15 mg/kg/dia dividida em duas tomadas por oito dias. Com a morte dos cisticercos segue-se a reação inflamatória decorrente do rompimento das vesículas. Como essa reação pode ser muito grave, recomenda-se o uso concomitante de corticóides (por exemplo, prednisona, 50 mg/dia). Cerca de 80 a 90% dos cisticercos são eliminados.

Praziquantel

O praziquantel foi a primeira droga eficaz para o tratamento da neurocisticercose. O tratamento é feito em um dia. É aplicado por via intravenosa, na dose de 75 mg/kg, dividida em três doses de 25 mg/kg, aplicadas de 2 em 2 horas (por exemplo, às 07:00, 09:00 e 11:00 hs), acompanhadas de 400 mg de cimetidina em cada aplicação, para aumentar os níveis séricos do praziquantel. Seguem-se quatro dias de corticóide, por exemplo, prednisona, 50 mg/dia, iniciando três horas após a última dose de praziquantel, para reduzir a reação inflamatória. Esse esquema elimina 70 a 80% dos cisticercos vivos.

Tratamento sintomático

Sintomáticos

A meningite cisticercótica é tratada com corticóides por longo prazo. Além do alívio sintomático, esse tratamento diminui o risco de ocorrer hidrocefalia. Anti-histamínicos também tem sido empregados.
A epilepsia é controlada com medicamentos anticonvulsivantes adequados.

Cirurgia

A hidrocefalia é tratada com a derivação ventricular. Trata-se de um procedimento cirúrgico em que um cateter é introduzido na cavidade ventricular e drena o excesso de líquor para a cavidade peritoneal. O fluxo através do cateter é controlado por uma válvula de pressão, que se abre quando a pressão do líquor aumenta, permitindo sua drenagem, e que se fecha quando a pressão se normaliza.
Cirurgias para remoção de cisticercos volumosos ou que causem obstrução liquórica podem ser indicados em casos específicos.

Um comentário:

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